Memória dos Atos de Criação

Proferido em 12/12/2012

 

Qual árvore de cujo caule se sustenta sobre uma intrincada rede radicular que se espraia subsolo adentro, os rizomas que guardam o surgimento de uma academia de letras no sertão sergipano, e agora integram sua historiografia, estão esparsados no tempo e no espaço. Seja o maior edifício, arranhando o céu das grandes metrópoles mundiais, ou o menor componente eletrônico, nanometricamente modelado nos circuitos computacionais, maravilhas do mundo contemporâneo, ambas as obras são filhas da inquietude, do anseio, da inspiração e da antevisão. Seus embriões invisíveis habitam o mundo das ideias, intangível para muitos de nós, mas não para todos. Aos poucos, ou por vezes de súbito, materializa-se em propósitos e objetivos, e à medida que cresce, passa a concretizar-se enquanto realização individual ou coletiva. O mimetismo presente nesta simplória metáfora da árvore nos permite compreender como se partiu de um anseio e, na velocidade da semente para o arbusto, chegamos até o presente momento.

 

Artistas, poetas, músicos, personalidades do município, nativos ou adotados por esta mãe acolhedora, transitando entre o solitário e o solidário, ansiavam pela criação de um espaço, uma instância que evidenciasse a tradição literária gloriense. Eis que a força da dúvida se impôs: Habemus Litteras? Havia algo a ser evidenciado? Seria suficientemente relevante para justificar a instalação de uma academia literária? Tais questionamentos figuravam como solo infértil para todos eles. Ante as incertezas da semeadura e do êxito da florescência, eis que o primeiro ato foi escrito a várias mãos: agricultores literatos, que emprestaram seus saberes, suas visões repletas de fertilidade orgânica, o adubo da fé, esperança e otimismo, regado pelas águas da experiência de quem já viu a florescência em solos difíceis. Dentre esses sábios do caminho, quão inspiradora recordamos a visita de um 'livro humano', em meados do presente ano, em um colóquio sobre literatura, organizado na casa legislativa municipal. O “Homem Livro”, de codinome Evando Santos, ouviu os argumentos de um pequeno, porém pretensioso, grupo de incentivadores culturais; e, como virasse a ampulheta, no reverso de suas dúvidas, transformou a causa em consequência e a consequência em causa. Orientava: a academia não surge apenas para valorizar o que está construído, mas para construir o que possa ser valorizado. Sim! Era isso. A academia assumiria, portanto, um papel na formação da cultura literária. Não era o reconhecimento da magnitude e esplendor de uma árvore senhora de si, mas o vislumbre de toda árvore contida na semente, como potência. Uma academia popular de letras, tecida no seio da comunidade, materializada no incentivo à leitura e escrita em todas as suas formas, estilos e abordagens literárias.

 

A partir desse norte, passou-se a compartilhar uma meta real: instalar a Academia Gloriense de Letras até o final de 2012. Uma cadeia sucessiva de eventos permitiu o encontro de um grupo de oito indivíduos, de formações e expressões artísticas e literárias heterogêneas, porém irmanados no propósito por todos esposado: Gileide Barbosa de Souza Santos, José Ancelmo Aragão, Ramon Diego Câmara Rocha, Jorge Henrique Vieira Santos, Edson Magalhães Bastos Júnior, Euvaldo Lima dos Reis, Francisco das Chagas Vasconcelos e Maria Verônica Santana Sales. Tais confrades e confreiras compuseram a Comissão Provisória para instalação da Academia Gloriense de Letras, criada na primeira reunião ocorrida em sete (07) de Julho de 2012. As reuniões subsequentes objetivaram criar seus marcos legais e estatutários. Discutiu-se, portanto, sobre a missão e visão, estrutura e funcionamento e demais aspectos de sua lei orgânica, bem como a interação com a sociedade local. Em 12 de setembro de 2012, a AGL passa a existir sob o registro de número 1091, Livro nº. A-18, fls. 157 a 160 do Cartório de registro de títulos de Nossa Senhora da Glória.

 

Nessa breve trajetória, o intercâmbio com outras academias literárias foi basilar. Indispensável ressaltar aqui o apoio da Academia Sergipana de Letras, Academia de Letras de Teófilo Otoni, Academia Brasileira de Letras, Academia de Letras de Cabo Frio. Além dos referidos sodalícios, o grupo recebeu apoio de várias personalidades da cultura sergipana e gloriense.

 

Ao grupo dos oito idealistas, coube a responsabilidade de dirigir executivamente a instituição pelo primeiro biênio de sua existência e definir as regras de ocupação das primeiras cadeiras e a escolha de seus respectivos patronos e/ou patronesses, os quais serão apresentados neste ato solene. Essa etapa transcorreu seguindo uma regra mui simplória, porém segura, porque desprovida de qualquer tipo de privilégio: os números das oito cadeiras foram sorteados entre os membros, que pela condição de fundadores, escolheram cada um o seu patrono/patronesse a ser imortalizado na respectiva cadeira. Considerando a missão institucional da AGL e o contexto ora apresentado, chegou-se ao entendimento de que a integralização das trinta e duas cadeiras restantes se dará no decurso de sua atuação junto à sociedade.

 

Capitaneando o rol memorável de patronos, surge a figura ilustre do Padre Léon Lambert Joseph Grégoire, unanimemente aclamada por toda Comissão Provisória como Patrono do Sodalício. Belga, nascido em 1925, no ambiente rural de Barchon, próximo a Liège, sua juventude viu de perto o que uma Guerra Mundial representa para o mundo. Seu voto missionário para a Ordem Redentorista o conduziu à nação brasileira em terras sergipanas, através do convite amigo de Dom José Brandão de Castro, para combater o subdesenvolvimento humano na região do Baixo São Francisco. Se sua obra missionária nasce em terras costeiras, é no sertão que ela se completa. “Padre Gregório”, carinhosamente aportuguesado pela população gloriense e sertaneja sergipana em geral, entranhou sua história à história do desenvolvimento humano e cidadão dos sertanejos, no campo e nas cidades, expressando sabedoria em forma de humildade, simplicidade e entrega, atributos raros aos seres humanos.

 

Defensor de uma resistência pacífica, porém nunca passiva, às injustiças e desigualdades sociais, sua persistência na luta em favor dos desfavorecidos, desprovidos de educação, cultura e cidadania, ilustra de modo prático e realístico a diferença entre passividade e pacificidade. A passividade, filha da indiferença e do individualismo, do medo e do comodismo, foi amplamente combatida pelo mestre Leon com uma “pacificidade ativa”, que nos remota à “persistência pela verdade”, apregoada por “Mahatma” Gandhi. Por essa razão, Grégoire sempre acreditou que a educação, em todas as suas dimensões, fosse a verdadeira pedra fundamental para uma sociedade igualitária, formada por verdadeiros cidadãos cônscios de seus direitos e responsabilidades em prol do desenvolvimento comunitário. Pela expressividade e profundidade de sua atuação no município gloriense, e em todo Alto Sertão sergipano, a celebração do presente Sodalício nesta casa de educação e cultura, que foi uma das primeiras edificadas pelo nobre patrono, tem amplo valor simbólico para a AGL, pois representa o reconhecimento de que a imortalidade de sua vida e obra social reside na continuidade de sua missão libertadora, no compromisso da perpetuação dos saberes e fazeres culturais, literários na comunidade.

 

A síntese dessa trajetória de criação tem seu simbolismo cunhado no lema e no brasão da academia. Seus elementos permitem compreender a formação da AGL no contexto social em que se insere. A grinalda de louros simboliza a tradição literária que se pretende valorizar e preservar. O círculo dourado ao fundo representa o Sol, que caracteriza o sertão sergipano na maior parte do ano. O livro aberto e a pena representam a cultura literária. A Lira disposta entre as penas denota a presença expressiva de poetas e músicos, entre os membros fundadores. Encimando a coroa, cunha-se o ano de sua fundação. No centro desse conjunto, sob o livro aberto, o lema “Ad Gloriam Per Litteras” repleto de salutar duplo sentido, uma vez que se propõe “Alcançar a glória pelas letras”. Por fim, mas não menos importante, o símbolo @ (arroba), mundialmente associado à comunicação na Rede Mundial de Computadores (Internet), representa o encontro entre a tradição literária e a revolução tecnológica contemporânea na qual a literatura se reinventa e se perpetua.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edson Magalhães Bastos Júnior

1º Secretário Geral da AGL (2012-2014)