A metamorfose do escritor contemporâneo

25/02/2014 23:52

Uma reflexão sobre uma literatura de ação

 

Vivemos entre idealistas, disse um senhor que esperou uma hora numa fila de banco para pagar uma conta ao meu lado. Inquietei-me com tal afirmação, mas não resisti, a intervenção do pensamento me fez refletir sobre tal afirmação e, como não aprendi outra coisa na vida senão pensar em literatura, fiquei a devanear sobre os escritores contemporâneos.

 

Chegar à conclusões é algo feito para poucos, mas não resisti ao concluir que vivemos uma quebra do idealismo na literatura que se anuncia pelas ruas. Uma brisa que corre da janela de um condomínio periférico e que tem me feito respirar melhor daqui.

 

Ao pensar sobre isso, lembrei de dois autores que podem me ajudar a organizar minhas idéias, Marx e Hegel, vi que muito de suas idéias possuem relação com a metamorfose pela qual passa o escritor brasileiro, apesar de tímida e inicial, para tanto peço perdão pela força da teoria que pretendo despejar a seguir para explicar tais pressupostos.

 

Para Hegel existe uma dialética necessária no tocante à obra de arte e isto perpassa questões que o próprio identifica como estudo estético da obra, ou seja, estudo do belo voltado para uma filosofia da arte.

 

A arte, como o autor nos apresenta em seus Cursos de Estética, é vista como o primeiro degrau de uma força que move o mundo de forma a sempre reconstruí-lo baseado em fenômenos que se alteram ao decorrer da história.

 

Manifestado por meio do homem e oriundo de uma configuração puramente abstrata, a arte se projeta na obra enquanto representação dos anseios humanos. Tal projeção se estrutura por meio do pensamento conceitual e adquire, em sua primeira instância, caráter subjetivo e imaterial.

 

Ainda segundo o teórico alemão, é atuando no campo da representação que a obra de arte adquire uma consciência de si, a partir do contato e diálogo com o outro, ou seja, a partir do processo de identificação, partindo do domínio particular para o universal.

 

A beleza da obra de arte reside, portanto, na conciliação destas duas etapas pelas quais o processo da criação artística se estabelece. A primeira de caráter subjetivo – representação do conceito e projeção do desejo do homem no mundo sensível – a segunda de caráter objetivo – consciência e universalidade da idéia.

 

De acordo com tais reflexões, apesar das configurações que as regras sociais adquirem ao decorrer da história, o ideal, ou seja, a materialização da idéia na arte - obra de arte – Não desaparece, resistindo antes na volaticidade da forma – órgão que a carrega e a materializa – criando assim, uma chave para a apreensão da obra de acordo com a representação da idéia, submetida a determinado período histórico e/ou contexto social.

 

Tal recurso, inerente ao processo de criação artística, permite que através da obra, tenhamos um amadurecimento crítico acerca dos movimentos nos quais estão envolvidas as obras de arte, como o Classicismo, Romantismo, entre outros e, por meio das formas e significados que adquirem nestes, uma reflexão a fim de compreender os anseios do homem no tempo e a necessidade da obra de arte para o aprofundamento da percepção e entendimento das ações, vontades e, consequentemente da existência humanas.

 

Ora, se para Hegel, a obra de arte tem papel primordial na formação do homem a partir da compreensão do mundo, e esta vincula-se à compreensão do processo artístico, podemos concluir que, acima de tudo, existe um estágio ainda maior desse processo, a potencialidade da reflexão na percepção do outro, proposto pelo diálogo e universalidade da criação.

 

Quando transpomos isso para a Literatura, torna-se evidente que, se existe um papel que o escritor adquire ao projetar-se na obra de arte, é o de propor a reflexão pura e sensível, presente no contato do homem com o texto, ou melhor, do homem com o homem.

 

Algo que se torna fundamental quando pensamos que para o homem, a compreensão de seu espaço se dá no diálogo com o espaço do outro, afinal, ainda citando Benedito Nunes (2011), “para o homem, existir já é arrumar um espaço para si”.

 

Partindo dessas reflexões, voltamos à nossa inquietação inicial, ou seja, qual seria a metamorfose pela qual passa o escritor contemporâneo? Ou melhor, qual o seu espaço na contemporaneidade? A pergunta que nos soa com certo receio de aprisionarmos o escritor a uma função pré-definida, apresenta-se antes como um feixe de luz sobre um canto escuro de um quarto do que os raios de sol que iluminam a residência da racionalidade.

 

Vale-se ressaltar que a pretensa resposta deve, em sua essência, funcionar como ponto de partida para uma ampliação do pensamento crítico sobre leitor, escritor e obra e não como redução epistemológica necessária.

 

O fato é que, a concepção de criação artística, esta mais voltada para a obra literária, em específico, antes surgida da “alma” do artista, bebendo das fontes etéreas e sutilmente nomeada de inspiração, sofreu grande reviravolta após o processo de industrialização e, a mecânica das coisas no mundo regida pela consolidação do sistema capitalista, transformou o “ócio criativo” em “trabalho do escritor”.

 

A mudança nessa concepção tornou a produção como um fim nela mesmo, na qual não existe um espaço para a reflexão sobre o processo de criação, que é, em si e para além de si, produto do entendimento do homem acerca da realidade que o cerca. O grande problema nessa transformação, onde “o trabalho dignifica o homem”, reside justamente na aceleração do “trabalho do escritor” e da sua “produção literária”, permeada da objetividade necessária.

 

Partindo desse pressuposto, podemos ver que, ao decorrer do tempo o escritor sempre esteve embuído, assim como os artistas de forma geral, do papel de incentivar a reflexão sobre a nossa condição, sobre aquilo que transforma o particular em mim, em particular no outro e se universaliza, ou seja, como Heidegger diria, o nosso daisen, a nossa forma de ser e estar no mundo.

 

O que nos leva a outra pergunta, como o escritor, camuflado pela objetivação desse modus operantis, pode propor tal reflexão na contemporaneidade? Modestamente, poderia dizer que, talvez, apoiando-se na ação como material de concretização da idéia e resistindo à concretização das coisas, valendo-se dessa objetividade do mundo como contradiscurso do tempo presente.

 

Entramos aí, portanto, numa concepção marxista da prática como instrumento de ocupação dos espaços e intervenção ideológica na sociedade, invertendo a dialética de Hegel.

 

A criação dos espaços poéticos na ocupação dos espaços públicos, a criação de editoras independentes, o fomento à leitura através do diálogo com outros tipos de escritores de diversas cidades, estados e países e a intervenção através da ação tem desenvolvido esse papel de forma avassaladora no Brasil.

 

A “Nova Literatura” tem desconstruído a história dos vencedores e contado as histórias dos “de baixo”, como bem nos fala Benjamim. Não é difícil ver os pontapés iniciais desse tipo de acesso à produção e facilidade de diálogo na criação de espaços e da reflexão apoiada no processo de criação, algo que havia se perdido em detrimento do mercado editorial e da consolidação da “Boa Literatura”. (ver mais em Teoria da literatura, uma introdução, de Terry Eagleton).

 

Exemplos dessa forma de ocupação, dessa literatura dos “de baixo” são nítidos em todo o país, o próprio “Sarau debaixo” em Aracaju é um exemplo disso, a criação de uma editora que publique novos autores, desacreditados pelo grande mercado como fez Eduardo Lacerda, na Editora Patuá, em SP, mais um desses exemplos, fazendo com que a Literatura chegue às comunidades e descentralize os consolidados. (e aqui deixo todo o meu respeito ao grande poeta Sérgio Vaz, um dos primeiros a tentar quebrar isso, com o sarau da Cooperifa).

 

Se o entendimento do outro, hoje, se dá na ação consolidada pela rapidez do mundo e o processo de produção do indivíduo e se o escritor possui o poder de tornar-nos conscientes da nossa humanidade, através de suas práticas calcadas em ações onde a obra de arte se sobrepõe como um jardim numa metrópole, ele tem sim, o dever moral de fazê-lo, afinal, caros ouvintes, é importante não esquecermos que, a exemplo de Simone de Beauvoir, que proferiu a seguinte sentença, “não se nasce mulher, torna-se mulher”, nós também não nascemos humanos, nos tornamos humanos e é justamente nessa reflexão, apoiada na prática da escrita, que devemos assegurar o nosso direito a termos consciência da nossa condição.

 

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