Lançamento do livro Viagem Rasa

28/08/2013 22:52

Discurso proferido no lançamento do livro "Viagem Rasa"

 

BOA NOITE A TODOS,

 

O grande problema de um texto, quando feito é o desencantamento da letra que o estrutura, é a lembrança do que poderia ter sido projetado na palavra e que, neste exato momento, não pode ser mais. Por isso faço este esforço de escrita, por isso tento encimentar cada palavra na tentativa de não engolir duas ou três que, posteriormente, façam falta as minhas idéias.

 

Aviso, de antemão, que não irei dizer sobre o que trata o meu livro, pois carece o mundo de mais mistério às coisas que lhe permitem e, traduzir a poesia em palavras de raso diálogo é justamente o que não pretendo.

 

Por essas e outras razões me desafiarei a falar sobre o que não pretendo com este livro. Não pretendo ser a venda de um exemplar com interesses estritamente mercadológicos nem encher a barriga das traças nas estantes das academias, livrarias e bibliotecas, prefiro antes ser a marca barata onde escorre a poesia como o orvalho da conversa despretensiosa.

 

Não pretendo ser raso como o cisco no olho dos que interpretam o óbvio, prefiro antes ser o incômodo raso causado por este. Tampouco pretendo mergulhar os pés na fonte morna desse discurso e dela sair ileso sem uma mancha que me traia. Prefiro ser os pés sujos que encorpam a idéia do leitor, que ao poucos se posiciona, do que alimentar a letra que me aniquila.

 

Embora não pretenda tanto, o que não pretendo, como viram, é muita coisa, afinal, o que podemos nós, na vida, não fazer senão não pretender?

 

Peço desculpas pelas feridas que se abrem nesse texto, mas é que a sabatina dos anos e o incômodo causado nas obviedades das coisas me assumem e perpassam também a minha poesia.

 

Falo isto, pois a nossa vida tem se dividido em óbvio e ócio, este último censurado, caindo ao fundo no som da frase, pois a poesia não é o óbvio do povo, não vivemos mais no século XVII e a sombra da racionalidade é um passado que nos atormenta, como uma dor de dente.

 

Então, por qual motivo me dou ao “desfrute” de fazer esta viagem pelas palavras? Talvez por que eu não pretenda ser um soldado da matéria, tampouco cantar as coisas do mundo.

 

O que quero é cantar minhas coisas, minhas cores, a poesia é a minha consciência do mundo, de forma tão clara como não há consciência nas coisas ou nos fatos, assim como também não há nas coisas por si só, poesia alguma.

 

A poesia existe no homem com a coisa, no contato da palavra com o mundo, afinal, como diria Alberto Caeiro, grande heterônimo de Pessoa, que mistério há nas coisas senão haver quem pense no mistério?

 

Por fim, gostaria de agradecer afetuosamente, a cada leitor, que me fez vivo, a cada internauta que, através de suas postagens, me compartilhou e me exerceu, afiançando assim a minha poesia.

 

Gostaria de agradecer principalmente aos servidores públicos de Nossa Senhora da Glória e o seu Sindicato, o SINDISERVE pela sensibilidade política na democratização destas palavras, que embora se dispersem feito arroz de festa, encorpam essa poética, que ao tempo em que é construída, me ultrapassa de súbito, uma poética do homem na coisa, do homem no tempo, uma poética do homem no mundo.